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Bem antes das sesmarias

E dos fortins dos lusitanos,

Das levas de castelhanos

Cruzarem a capitania,

Naquela aurora bravia

De mato e de céu aberto,

O bugre que era liberto

Viu chegar o explorador,

Que se tornou invasor

Do litoral descoberto.

Ali nasce a nossa gente

Entre “patos” e “carijós”

Miscigenados aos avós

Vindos d’outro continente,

E uma estirpe diferente

Irá povoar o litoral:

Tropeiros de mar e sal

Fazendo fama e fortuna,

Para enfim fundar Laguna

No velho marco ancestral.

Dali partiram um dia

Para alcançar Sacramento

No Caminho dos Conventos

Seguindo Souza Faria,

E na rota que surgia

Foram fincar o garrão,

Fundando povoação

Entre o Caí e o Jacuí,

E às margens do Taquari,

Que chamaram Viamão.

Ali nasce um brasileiro

- O gaúcho lusitano -

Que vai arrastar meridianos

Na epopeia dos tropeiros,

E este Rio Grande altaneiro

Que nos inspira e governa,

Será uma herança fraterna

Na pátria bugra sulina,

Que a expedição catarina

Cravou na terra materna.

Nunca mais nos apartamos

Desses irmãos de hemisfério

Unidos n’algum mistério

Que até mesmo ignoramos,

E quanto mais nos mesclamos

Nas tradições e culturas,

Alargamos as planuras

Alternando paz e guerra

Pra mesclar sangue e terra

Na imensidão das lonjuras.

Com dom Cristóvão Pereira

No vai-e-vem das viagens,

Abrindo rotas nas Lajens

Em cada marcha tropeira,

E na odisseia verdadeira

Que rasgou serra e sertão,

Percorrendo o mesmo chão

Comungando a mesma rima,

Na jornada que aproxima

Os caminhos da Nação.

Reforjando a identidade

Com Garibaldi e Anita,

O “boi-de-botas” se agita

Nos rumos da Liberdade,

E a nossa velha Irmandade

Se ergueu no continente,

Contra a força do Regente

- Contra o próprio despotismo -

Pra mostrar que o nativismo

Já andava vivo na gente.

A berro e casco de gado

No andejar das tropeadas

Tantas famílias demudadas

Vieram formar povoados:

Gaúchos aquerenciados

De Passo Fundo e Vacaria,

E de outras tantas freguesias

Largando a faina tropeira

Pra vir alargar fronteiras

Na Santa Capitania.

No intento federalista

Da guerra que acabou vindo,

Seguimos com Gumercindo

Para uma nova conquista:

Desterro a perder de vista

E na Lapa até o fim,

Mas no último clarim

Dos heróis do anonimato,

Hão de morrer maragatos

No chão de Anhatomirim.

Quando a paz é decisiva

Por entre a Serra e o Mar

O tropeiro vai cruzar

A velha terra nativa,

E vão compor comitivas,

Gaúchos e catarinas,

Partilhando a mesma sina

De viver pelas estradas

Abrindo campos e aguadas,

Nas fronteira da Argentina.

Nova guerra veio um dia

Numa disputa entre Estados.

Pra parir o Contestado

Ao longo da ferrovia,

E uma invasão se anuncia

Nas levas que vêm do Norte;

Largados à própria sorte

Tisnando ferro e cartucho

O catarina e o gaúcho,

Vão se unir até na morte.

Quando a ordem é retomada

E o fanatismo dizimado,

Bem no coração do Estado

Nova raça é conformada,

Rica mescla abagualada:

Bugra, negra, tropeira,

E na cruza derradeira

Com o gringo e o alemão

Nessa autêntica união

Bem gaúcha e brasileira.

Assim nasce a Tradição

Aqui no meio de nós

Pra recordar os avós

Vindos de outro rincão,

Porque sorver o chimarrão

É beber a própria História,

É louvar a trajetória

Dos nossos antepassados,

Que pra sempre lembrados

Em cada altar da memória.

Assim nascem os costumes

Que alimentam nossa gente

E não são nada diferentes

Do que a Tradição resume,

O gaúcho é quem assume

O culto com devoção,

E partilha a emoção

Desta dádiva divina,

De ter nascido catarina

Mas de gaúcho coração.

O meu tradicionalismo

Nunca foi algo abstrato,

Ele é um avô maragato

Que morreu com heroísmo,

E o sentido do atavismo

De outro avô meio italiano.

Não é de couro ou de pano,

De laço ou de sarandeio,

É muito mais que rodeio

É sangue, alma e tutano!

A tradição hereditária

Que trago no coração

É o amor por este chão,

Por esta gente lendária,

É a própria essência libertária

Forjada assim deste jeito

Que o gaúcho contrafeito

Nos ensinou no rigor,

E que entre nós no interior

Já nasce dentro do peito.

Já não se lutam combates

Nem vivemos de peleias,

O destino atou maneias

Em rapapés e debates,

Mas numa roda de mate

Ao pé do fogo votivo,

Este gaúcho primitivo

Segue sempre a vigiar,

E se o Rio Grande chamar

Já estou de pé no estrivo.

SANGUE E TERRA

Osmar Antonio do Valle Ransolin

1º Lugar no Festival Catarinense de Arte e Tradição - Edição 2024

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