Na invernada da ilusão,
Lá se vão - horas de ronda
E a lua velha, redonda,
Parece tocar o chão,
Vertendo da imensidão,
A crueza do seu pranto
Uma luz que em cada canto
Refulge em cumplicidade,
Envolvendo a Humanidade
Co’a palidez de seu manto.
Olho o gado pastando
E olho pro céu eterno,
E nestas rondas de inverno
Sigo comigo pensando,
E me pergunto, até quando
Vou ruminar lonjuras,
Saboreando as amarguras
Que a vida me apresenta,
Vivendo sob a tormenta
Sem saber o que é doçura...
Feliz mesmo é o gado...
Vive rude, na inconsciência,
Não sabe que sua existência
É de um viver condenado.
Nunca foi atraiçoado,
Não sofreu por mal de amor,
- É só presa e predador -
E se segue ao matadouro
Deixa o legado do couro,
No braço do laçador.
O quero-quero cansado
Do seu viver sentinela,
Mira sobre a cancela
Este mundo abarbarado,
E repete o velho brado
Dos quem amam a Liberdade:
Que o tempo não tem idade
- A gente é que esmorece -
E que o homem envelhece
Buscando a felicidade.
Quem sabe até o cavalo
Que serve por toda vida,
Que enfrenta a dura lida,
E não teme nem a morte
Entenda melhor a sorte,
Desta ciranda campeira...
E não seja um polvadeira
Porque coragem lhe sobra,
Com o preço que a vida cobra,
Dos que nascem na fronteira.
E ao escutar os paisanos,
Que cantam as patacoadas,
As estórias bem contadas
Dos ginetes veteranos,
Reparo como os humanos
Mantém a capacidade,
De se unir em fraternidade
Cantando em voz contente,
Quando existe tanta gente,
Sofrendo na orfandade.
Queria ser um bicho,
Desses que nasce no mato.
Meio homem – meio gato,
Fugindo da evolução.
Preservando no coração
A crueza da identidade
- Sinal de brasilidade -
Do índio que era liberto
E abraçou destino incerto,
Para ir morrer na cidade.
Changueei a troco de boia,
E tantas vezes por fumo...
Mas nunca perdi o rumo
Muito menos a hombridade.
Preservando a identidade
Me mantive sempre forte,
Trançando ferro co’a morte,
Olhando os grandes de frente
Pois sou palanque e corrente,
E adaga do melhor corte!
E por este jeito de taura
De nunca pedir quartel,
Sempre disse o povaréu
Que eu sou grosso e bocudo
Mas diga, depois de tudo,
Que conto que sucedeu,
E que o destino me rendeu
Como tributo inglório
Há lugar nesse ofertório
Prum sonho que já morreu?
Por isso me fiz tropeiro,
Trazendo dentro das veias
A força que mil maneias
Jamais irão sufocar.
Trago a herança secular
Do campeador legendário,
Que percorre o itinerário
E faz do seu ofício,
Sustento – vício – munício,
Pão-do-dia e santuário.
Hoje vivo o apogeu
Embuçalando o futuro,
Pechando uns queixo-duro
Na vida que Deus me deu.
E se a esperança emudeceu
E me cansou da jornada...
Hei de seguir nessa estrada
Esperando que um dia,
Possa seguir “a la cria”
Sem ficar, devendo, nada.