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Divisando o próprio rumo

Na aurora daqueles dias

Fui buscando nos vultos

Empoeirados de tempo

O arrimo de uma vida

Pra um sonho que despertou.

 

E entre sons e palavras

Fiz a ronda da poesia

Que hoje é mescla e sumo

De tudo aquilo, que sou.

 

Busquei na essência dos versos

E no horizonte da memória

Revisitar os caminhos

Que eu jamais conheci.

 

Pra um guri de interior

Que só vive a própria história

Há muito mais pra se ver

Do que eu havia visto, aqui.

 

E no bivaque dos sonhos

Que ajojei pela estrada

Me fiz tropeiro de versos,

Tocando a tropa dos outros

Pelos campos das payadas.

 

A buscar sempre a trilha

Dos que vieram primeiro

Pra essas tropas de sonhos

Eu fui sempre o madrinheiro.

 

Como pode o peão modesto

Que não tem iniciativa

Que não reconhece talento,

Sonhar em criar verso

E levar à exposição?

 

Não, não...

Meus versos nasciam mortos

Em tropas empedernidas

Famintas de inspiração.

 

Mas a Fé que é madrinha

De tantos abandonados

Foi nutrindo a esperança

De que o sonho de criança,

Podia ser alcançado.

 

E buscando outras rotas

Andejei pelo sertão

Desbastando pedra moura,

Abrindo mata fechada

Fazendo rumo e estrada,

Em cada nova emoção.

 

Alguns sonhos morreram

- Tantos ficaram no ar -

E senti que a tropa lenta

Cansada dos corredores,

Não teria mais lugar

Nos campos dos payadores.

 

E fui ficando nas paredes

Nos andrajos do passado

Sob um véu de remembranças

Que o velho tempo deixou.

 

E a rica tropa de versos

Que outrora era sustento

- Foi razão e fundamento

Pros lampejos de uma vida -

Foi secando a cada inverno

Deixando a mente quieta

E a alma, emudecida.

 

Até que um último verso

Que saiu estropiado,

Deu um giro na mangueira,

E seguindo a própria sorte

Se sentou meio de lado,

Dando um suspiro profundo

Tombou, e ficou deitado.

 

Foi assim naquele dia

Quando morreu o sonho

E mataram a poesia...

 

Passei anos na estrada

A buscar com esperança

Por veredas e caminhos

Que não se abriram, assim.

 

E a alma fatigada

Pelo sol dos dissabores

Foi secando a seiva bruta

Que ainda pulsava em mim.

 

Um dia alcancei o posto, e ali fiquei.

 

A esperar a comitiva,

Que um dia seguiria

Para o meu entardecer.

 

Quem sabe lá no poente,

Onde habitam sonhos perdidos

Possa então viver a vida

Do jeito que eu quis fazer?

 

Fui ficando pela estrada

Petrificado no tempo

Querendo ser o tropeiro

Nessa viagem sem volta

Que o mundo me reservou.

 

E um dia fui pra estrada

Esquecendo os próprios sonhos

Pra trilhar um leito seco

Onde a poeira dos dias,

Tapara a marca dos cascos

De comitivas sem fim.

 

Me tornei, eu mesmo, parte

Das comitivas da vida

Levando cargas de sonhos

Que o destino malsinado

Havia tirado de mim.

 

E essa alegria de tantos

Que eu assistira passar,

Fez renascer o meu canto

Lavado no próprio pranto

Que reaprendeu, a sonhar.

 

Hoje eu sou madrinheiro

De cada sonho dos outros

Porque neles vivo meu sonho,

E vivo junto a cantar.

 

E pelo céu dos tropeiros

Há lugar para o meu sonho

Que um dia há de ser canto

Quando eu for, pra não voltar.

ROMANCE PARA UM VERSO ESTRADEIRO

Osmar Antonio do Valle Ransolin

Finalista do 2º Porteira da Poesia de Vacaria (2024)

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