Vem dos séculos passados
Bem além da própria história,
Do horizonte da memória
Onde jaz eternizado,
Um costume enraizado
Que acompanha a sociedade
– Sinal de civilidade –
Que nem o tempo disseca,
E que faz da Biblioteca
O manancial da Humanidade.
Não nasceu em Alexandria
Mas de lá se fez exemplo
Se tornando o próprio templo
Da antiga Sabedoria,
E cada acervo que surgia
Há de conter novos valores:
Poetas, mestres, autores,
Romanceiros e artistas,
Filósofos, cronistas,
Cientistas, pensadores...
Nas canções dos trovadores
Há escárnio e mal dizer,
E Gil Vicente a sofrer
O desamor e suas dores,
São poetas precursores
Dos avós de meus avós,
Retinindo uma só voz
Pela pena que bendiz,
Dom Afonso, Dom Dinis
E Paio de Taveirós.
Logo mais a Humanidade
Faz de si seu elemento
E a escrita traz o intento
De uma nova realidade:
Há um mundo de verdade
Bem além da Taprobana,
E na real rota açoriana
Novos livros vão ao mar
Pra Camões poder cantar
A odisseia lusitana.
Nas terras de Vera Cruz
Traçando a primeira linha
Há Pero Vaz de Caminha
Desvelando seus tabus,
E o ensinamento de Jesus
Com sotaque lisboeta
Vestindo a sotaina preta
De seus novos capitães:
Padre Nóbrega, Magalhães,
E nas areias de Anchieta.
Na literatura pioneira
Há catecismo e oração
E obras de afirmação
Da nova terra brasileira,
Lá está Bento Teixeira
E seu libelo compulsório
Unindo nesse ostensório
Entre o sagrado e o profano
O barroco palaciano
De Padre Vieira e Gregório.
Nas terras de Vila Rica
Os ventos do Iluminismo
Se entremeiam ao lirismo
Que Basílio santifica,
E cada obra que publica
Repisa a memória vaga
De Cláudio Manuel e da saga
Do sonho da independência,
Que morreu na inconfidência
Com Tomás Antonio Gonzaga.
Um país vai se formar
Nos gritos de insurreição,
Pra unir nossa nação
De Natureza singular,
Com Casimiro e Alencar,
A cantar a brasilidade
Resgatando a identidade
Do índio, negro e do branco,
Pra se mesclar no verso franco
De Castro Alves e Sousândrade.
A realidade toma frente
Vê desnuda a monarquia
Renovando a poesia
Nos corações e nas mentes,
E as revoltas recorrentes
Que convulsionam o país,
Mostram o povo infeliz,
E a República é a ideia
Que vai embalar Pompéia
E até Machado de Assis.
O desgosto que se assoma
Logo encontra oposição,
Na busca da perfeição
Que a estética retoma,
Vem da Grécia, vem de Roma,
Esse estilo literário
E o intento libertário
De Bilac e Bernardino,
E do nosso Luís Delfino
O desterrense lendário.
Entre o símbolo e a forma
Outra estética repousa
Pela dor de Cruz e Sousa
O sofrimento dita a norma,
É o Brasil que se conforma
Às crenças da nossa gente
Nesse culto reverente
De Emiliano a Machado,
Onde o Sul é projetado
Bem além do continente.
Em vinte e dois a Liberdade
Há de invadir os salões,
Extinguindo assim padrões
De uma antiga sociedade,
Com Cecília e Drummond de
Andrade
Com Veríssimo e Graciliano,
Cada obra traça um plano
Para encampar o que é moderno
Mas sem se afastar do cerno
Do Brasil republicano.
Quem acha que se findou
Há de encontrar nova gente
E esta obra resiliente
Que o novo tempo formou,
Cada livrou que se editou
Nos traz novos predicados,
E o modernismo é rejeitado
Pra traçar novo destino
Com Clarice, com Sabino,
Rubem Braga e Jorge Amado.
Nós aqui temos também
Tantas obras meritórias,
De eminente trajetória
Que a memória nos retém,
E essa Biblioteca mantém
No presente e no passado ,
O catarina eternizado
Entre a prosa e a poesia
Pra contar com maestria
A história do nosso Estado.
De um Henrique Boiteux
A um Adílcio Cadorin,
Cada livro traz pra mim
Um universo que se lê,
E à ignorância que se vê
A nossa melhor resposta
É a obra sempre exposta
De um Licurgo, que amamos,
De um Sérgio da Costa Ramos
E do Márcio Camargo Costa.
A Biblioteca que eu quero
É muito mais que construção,
É um lugar de comunhão
Do velho culto sincero,
E quando morrer, espero,
Que pra além da sepultura
O poeta tenha a doçura
Lá num futuro incerto
De encontrar o tomo aberto
Para uma nova leitura.
