Naquele lenço encarnado
Que o velho atou no pescoço
Há mil histórias que o moço
Não imagina sequer...
Há uma legenda de sonhos
De campos floreados de estrelas
De tropas boieiras antigas,
Perdidas no rodear das distâncias
Que o tempo fez vulto e memória,
E que habitam retratos na estância.
Há uma leva de guerras
- Lutas de irmão contra irmão -
De homens que deixaram seu sangue
No altar cru - da revolução.
Em tempos antes do lenço,
E antes de haver Rio Grande
O vermelho se fez sinal
Do sentimento pulsante,
Da república dos iguais
No antigo continente,
E veio fazer morada
No meio da nossa gente.
Há nessa cor selvagem,
O índio Sepé que se ergue
E carrega a cruz do Templário,
Que enfrenta a tropa da Ibéria
E tomba em defesa do pago
Pra forjar a raça gaudéria.
No pavilhão tricolor
Guarda a história de Bento,
De Netto, Garibaldi e Anita,
Dos ideais libertários que outrora
Incensaram as portas dos Templos,
Que fizeram dos Homens Justos
Guerreiros de lança e espada,
E a Pátria Gaúcha é forjada
No tinir de três marteladas.
Há o espetáculo funesto
Da vingança dos maragatos,
Da degola de mil vozes
Às margens do Rio Negro...
Do brado do inocente
Ao grito do insensato,
A cor que a rebeldia
Tingiu em nossas bandeiras
Alçando novas fronteiras
Muito além das sesmarias.
Do rubro sangue caudilho,
Que lavou Anhatomirim,
Que separou pais e filhos,
Para nos reunir, no fim
Nessa vergonha eterna
De carregar o nome,
De Floriano,
Em nossa terra.
Há uma centelha de sonhos
Que se espalharam no ar,
Das quermesses nos povoados,
E dos domingos de carreira.
Há um tropel açodado,
Mesclando pata e espora
De um ginete da fronteira
Que se perdeu campo afora.
Há uma meia-espalda,
De um duelo em campo aberto
Trazendo o destino incerto
Do fio que busca o corpo.
- E à moda Cambará -
Há de lamber o oponente
Pra sorver o sangue quente
Que brota rubro e selvagem,
Mesclando à cor da roupagem
Do imortal capitão,
Lenço vermelho – à mão,
E um punhal de entreposto
Gravando a ferro a letra
Que iria ficar meada
Na curvatura do rosto.
E o lenço se torna mito
Vira herança sagrada,
Em cada estória contada
E pra cada verso escrito.
É o sinal de igualdade
- Repetido no galpão -
Que nos dedos do peão
Vira’lma e identidade.
Te vejo hoje garboso
No peito do Laçador!
Recordando a toda gente
- Recordando mesmo a nós -
A história dos ancestrais
Dos avós de meus avós,
Que precisou ser perdida
Para que, lhe sentissem falta
E então tivesse valor...
Naquele lenço encarnado
Que o velho atou no pescoço
Há mil histórias que o moço
Não imagina sequer...
Há uma legenda de eras
Que ele talvez desconheça,
Mas que o velho há de contar
Pra que a história não pereça.
E no futuro incerto
Quando o tempo tingir o moço,
Com as cores do mesmo afeto
Ele ate um nó no pescoço,
Na memória de algum neto.