No horizonte primordial
- Pela aurora dos anos -
Vivia nos verdes planos
A velha tribo ancestral,
Partindo do litoral
Da costa do sambaqui
Mesclou-se a raça tupi
Ao cerne de outro sangue
Formando o bugre kaingang
Do Desterro ao Peperi.
E vieram lusitanos
Nas grandes expedições
- Caravelas, galeões –
Da Madeira e açorianos,
E espanhóis castelhanos
Invasores de além mar,
Cada corsário a buscar
Novo tesouro escondido,
Mas da Baia dos Perdidos
Nenhum conseguiu voltar!
Alargando a geografia
Pelas crenças de um piloto,
Veio Sebastião Caboto
Com a nau Santa Maria,
E pela santa do dia
Imposta pela doutrina,
Ou pelo amor que fascina
E que toma o coração
Vai batizar este chão
Como Santa Catarina.
A mando do império luso
Vieram os bandeirantes,
Desterrados, viajantes,
Nova gente, novos usos...
E o bugre virou intruso
Subindo e descendo serra,
Tisnando cantos de guerra
Na marcha da evolução,
Pra morrer na imigração
Banido da própria terra...
São Francisco surgiu primeiro
E bem depois o Desterro,
- No repicar do cincerro
Se prenuncia o tropeiro -
Nesse andejar estradeiro
Fazendo fama e fortuna
Pra trazer tropa toruna
Das bandas de Sacramento,
Se formou povoamento
Dando origem à Laguna.
Por fim a capitania
Com pecha de hereditária
Fez a ânsia libertária
Ter ganas de rebeldia!
E o negro que é valentia
Que não aceita opressão,
Que não tolera o grilhão
E há de empeçar o troco,
Forjou o próprio caboclo
Que dominou o sertão.
Rasgando o mapa do estado
Em cada rota marcada
Abrindo mato e picada
A casco e berro de gado,
E cada pouso, é um povoado,
Pra amansar a vida ingrata!
O tropeiro em si retrata
A faina que não se acaba,
Do Rio Grande a Sorocaba
Abrindo a Estrada da Mata.
E surgiram os povoados,
As vilas, os corredores,
E os birivas precursores
Criando mulas e gado,
Invernando porco alçado
No entreposto dos anos,
Atraindo paulistanos
Em busca de nova terra,
Fundando Lages na Serra
E depois, Curitibanos.
Por quase duzentos anos
O tropeiro foi progresso
Permitindo livre acesso
A novos núcleos urbanos,
E no esforço sobre-humano
De tanger tropas esquivas,
Ergueu taipas à deriva
E fez palanque de cerno
Bebendo o frio do inverno
Nos bastos das comitivas.
Veio a era maltrapilha
Da luta por pão e terra
Nos irmanando na guerra
Nas hostes dos farroupilhas
Fomos o marco e a vigília
Dos irmãos de outro Estado,
Pelo canto abarbarado
De Garibaldi e Anita
E um atavismo que grita
Co’a tropa no descampado.
Fui canto de prisioneiro
Fui lenço de maragato
Sou o sentimento inato
Do povo sul-brasileiro
Fui peão e fui posteiro,
Fui catador de pinhão
E abri trilhos no sertão
Alargando as fronteiras
Em cada marcha tropeira
Que cruzou este rincão.
E quando a raça tropeira
Tornou-se tempo e memória
Um novo passo da história
Trouxe o ciclo da madeira,
Desdobrando capoeiras
Por imigrantes carentes,
Neste progresso insistente
Da expansão fundiária,
Que mesclou a araucária
Ao cerne da nossa gente.
Pra carregar o pinheiro
Veio do Norte um dia,
Um trilho de ferrovia
E lotes de pistoleiros,
No escambo do dinheiro
De cada metro quadrado,
Foi o povo escorraçado,
Andando a esmo, perdido,
E acabou meio bandido
Na Guerra do Contestado.
A longa mão da miséria
Que se torna itinerante
Cá nos trouxe o imigrante
Da Prússia, Lácio e Ibéria,
Mesclando em cada artéria
A força que sempre vence,
E um amor que pertence
A cada grupo e etnia,
Compondo a filosofia
Do povo catarinense.
Que o telurismo bendiga
A nossa fraternidade,
E resgate a identidade
Pra que a tradição prossiga.
No memorial e cantiga
Tapado de melodia
Canto a estirpe bravia,
Cepa rude - do interior –
Que bombeia um corredor
No ventre da sesmaria.
Nós somos o credo vivo
Da mescla de tantas raças
Curtida pela fumaça
Do gaúcho primitivo,
Mas somos berço nativo
Deste autêntico legado,
Que traz o rosto alargado
Num sorriso de humildade
E a velha hospitalidade,
Da gente, do meu Estado.